Por César Hirata

Todo designer já teve dificuldade ao tentar explicar o que faz para viver. ”Desenho marcas, desenvolvo embalagens, crio cartazes.” É muito amplo e às vezes incompreensível o alcance do trabalho do designer. Esse tipo de situação reflete bem o que tem acontecido no mercado de design. Ele não é mais o mesmo. A atuação dos escritórios de design tem mudado bastante nos últimos tempos, e essa mudança é fruto do papel que o design tem exercido nas corporações e nos seus produtos. As empresas estão percebendo que sua imagem tornou-se um diferencial competitivo.

Esse diferencial alavanca vendas, gera credibilidade e agrega valor a seus produtos. A maioria dos executivos dessas empresas, porém, ainda não sabe direito como utilizar ou gerenciar essa nova ferramenta.

Em conseqüência, os escritórios de design dispostos a participar ativamente deste ciclo que se inicia terão que começar a trabalhar como consultores de design, num nível diferente de atuação, e com um novo status na cadeia de negócios. Referimo-nos à tão comentada e talvez jamais alcançada profissionalização do setor – algo que já ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra.Os designers passarão de fornecedores de artes-finais a fornecedores de idéias. O escritório de design com pretensões a atuar no âmbito restrito e competitivo da consultoria tem que se conscientizar de que já se foi o tempo em que poderia ser confundido com ateliê de artistas.

Nada contra os artistas, mas tratamos aqui de empresas de design, não de free lancers ou artistas gráficos. O que se espera de uma consultoria de design são idéias e soluções – gráficas ou não – para um problema ou situação específica do cliente. Uma idéia que possa gerar retorno. Seja mudar as cores de um computador, vide o iMac, ou criar uma borboleta digital como logomarca de um portal na internet, como o MSN, ou um nome, como Fedex.Um artista não conseguiria produzir soluções tão focadas em objetivos comerciais, pois ele possui um estilo próprio e não suporta que mudem ou mexam em suas “criações”.

Arte não pode ser confundida com design, nem vice-versa. Mas se for somente uma questão de rótulo, nada impede que se recorra a subdivisões semânticas entre design autoral e design corporativo. Um designer autoral faria um pôster como ninguém. E é justamente este ”como ninguém” que remete à idéia de produção exclusiva e não comprometida com o trabalho de equipe, o braistorming, a atuação conjunta que envolve cliente e designer, característicos do design corporativo.

Se olharmos para o passado, contudo, veremos que importantes marcas saíram da cabeça de grandes artistas. Décadas atrás, ou mesmo anos atrás, uma empresa de maior porte contrataria ”o” designer para criar sua marca. Ele recebia tratamento de estrela, e o que concebesse tornava-se definitivo e indiscutível. Era a época de Saul Bass, Paul Rand e Raymond Loewy, nos Estados Unidos, assim como Alexandre Wollner e Aloysio Magalhães, no Brasil. Não existem mais esses deuses do design, e quando pensamos em nomes do momento, surge uma lista de designers vinculados a tendências e estilos. Temos o papa do web design, o fera do design editorial, o craque da ilustração, e assim por diante.Um projeto de grande escala hoje em dia só pode ser realizado por um escritório de design com estrutura para atender a todas as necessidades de tal cliente.

A valorização do design nos dias de hoje, entretanto tem mostrado uma nova e interessante faceta. Por um lado, os escritórios vêm ganhando cada vez mais espaço e importância nas estratégias de mercado e comunicação das empresas. Por outro lado, o design em si, dentro desses mesmos escritórios, tem tido um papel de menor destaque. E não é coincidência o fato de o design, em si, não ser mais o centro das atenções. Ele se transforma numa das ferramentas usadas para entregar ao cliente um pacote muito maior e mais abrangente de soluções.Agora e no futuro, o escritório de design deve vender visão, estratégia e posicionamento. No processo de criação, condução e desenvolvimento da marca de um cliente, ele estará não só pintando a fachada da empresa, mas alterando e reforçando os seus pilares de sustentação.

Marcas e princípios corporativos não serão mais distintos. Desenvolver uma marca não se restringirá a desenhar um símbolo e um logotipo, mas delinear uma identidade. Os escritórios de design se envolverão profundamente com as necessidades estratégicas de seus clientes. Isso demandará a formação de equipes multidisciplinares, nas quais estrategistas, consultores e designers, compartilhando um espírito visionário e empreendedor, trabalharão em conjunto para desenvolver e implementar soluções criativas e operacionalmente viáveis e eficazes. Soluções não apenas de design, mas do próprio negócio dos clientes, em direção a um modelo integrado de prestação de serviço. Nosso rol de concorrentes não se resumirá às agencias de publicidade e de promoção, mas incluirá também consultorias de gestão, como uma McKinsey ou o Boston Consulting Group.

Na verdade, poucos escritórios de design irão evoluir até esse novo modelo de negócio. Estes farão parte do círculo restrito que terá acesso às grandes empresas e corporações, cujos projetos serão proporcionais, em tamanho e importância, ao sucesso alcançado. A efetividade e o desempenho das soluções adotadas, tanto no âmbito dos projetos como no dos conceitos, serão amplamente mensuradas e avaliadas, e o conjunto das competências desse novo modelo de atuação das consultorias de design se tornará fator fundamental. Isso, no entanto, não significará o desaparecimento do design como hoje conhecemos. Os pequenos escritórios persistirão como fontes de talento e criatividade, porém executando um design previamente definido em sua forma mais intangível – no conceito. Este será fornecido já formatado num briefing aprovado e delineado pelo grupo de decisão. A distância que separa os pequenos escritórios de design dos grandes ficará cada vez maior, o que não será necessariamente ruim. Os escritórios menores tenderão a especializar-se em determinados nichos, atuando como especialistas, atraindo clientes em busca de estilo e assinatura.De qualquer maneira, os designers sempre zelarão pela identidade visual das empresas e produtos. Farão o papel de guardiões das marcas. Enquanto, de um lado, o vaivém de executivos nas empresas e corporações representa uma ameaça à administração e condução de marcas, por outro, os designers consultores é que desenvolverão posicionamentos e estratégias , assim como criarão e implementarão sistemas de gestão de marcas capazes de as alavancar e sustentar por anos seguidos.No final daquela conversa, invariavelmente vão concluir: “Ah, então você trabalha com propaganda!…”, e você retrucará: “Não, não. É muito mais que isso…”

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Texto extraído do livro: O Valor do design – Guia ADG Brasil de Prática Profissional do Designer Gráfico – ADG Brasil e SENAC São Paulo